Envelhecimento Cerebral: Demência dos Corpos de Lewy
A demência de Corpos de Lewy é, seguidamente à Demência de Alzheimer, o segundo tipo de demência mais frequente em idosos e com maior prevalência.
O envelhecimento é algo a que todos estamos sujeitos, no entanto o modo como o
vamos vivenciar é que pode ser diferente. Cabe a cada indivíduo promover hábitos e comportamentos saudáveis de forma a que este processo ocorra com a melhor qualidade
de vida possível, no entanto nem sempre é assim. Um dos principais problemas na terceira
idade é as demências e são um dos principais motivos de
institucionalização.
O Cérebro - Breve Abordagem
O cérebro é constituído por biliões de neurónios, também denominados por células nervosas. Cada neurónio é composto por dendritos (responsáveis pela receção de informações proximais), pelo corpo celular/soma (que contém o núcleo com o seu código genético e mitocôndrias que produzem energia) e ainda, por axónios (responsáveis por emitir informações distais) (Damásio, 2011).
Os neurónios são considerados por vários autores como as células da aprendizagem,
pois em conjunto com as células glias "sustentam e consolidam somaticamente" os
diferentes tipos de aprendizagem (sensório-motor, práxica, não-simbólica ou não-verbal,
do tipo operacional, simbólica ou verbal, como são a leitura, a escrita e a matemática).
O encéfalo é constituído por 2 hemisférios, o direito e o esquerdo, sendo que cada um
possui diferenciadas formas de processamento e armazenamento. Ambos estão
conectados pelo corpo caloso (Damásio, 2011).
O hemisfério direito controla o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo
controla o lado direito do corpo. Ambos possuem diferentes funções, o hemisfério direito
está mais direcionado para as emoções e para os "aspetos mais holísticos", é mais rápido,
complexo e espacial. Já o hemisfério esquerdo é mais focado para a linguagem, é
portanto, mais verbal e analítico (Neto, Oliveira, Jardim, Martins, & Rocha, 2019).
De salientar que o cérebro está ainda dividido em áreas, que se denominam por lobos,
sendo que cada um possui diferentes funções, como poderemos ver de seguida.
Segundo Relvas (2008;2010), citado por Neto et al., (2019), o lobo frontal é
responsável pelo pensamento, planeamento, programação de necessidades individuais e
ainda pelas emoções. É também responsável por "controlar a fala, a função motora e psicomotora, a escrita, memória imediata, ordenação, planificação, programação,
mudança de atividade mental, exploração visual, julgamento social, controle emocional,
motivação, estruturação espácio-temporal, praxias, controlo e regulação próprio
exterocetiva", entre outras funções.
Ainda segundo os mesmos autores, relativamente ao lobo temporal este está mais
direcionado para o sentido da audição, possibilita o reconhecimento de tons específicos
e intensidade do som. Tem ainda um papel preponderante no "processamento da memória
e emoção, de estímulos auditivos, não verbais e verbais, perceção auditiva-verbal e visual,
memória auditiva, interpretação pictural, interpretação espácio-temporal, discriminação
e sequencialização auditiva e ainda a integração rítmica".
O lobo parietal, é responsável pela "sensação de dor, tato, gustação, temperatura e
pressão. Também está relacionado com a lógica matemática, registo tátil, imagem do
corpo, exterognosias, reconhecimento tátil de formas e objetos, direcionalidade, gnose
digital, leitura, elaboração grafo motora, imagem espacial, elaboração de práxis,
processamento espacial, integração somatossensorial, autotopognosia, discriminação
tatilcinestésica" (Neto, Oliveira, Jardim, Martins, & Rocha, 2019).
Por outro lado o lobo occipital fica responsável pelo processamento da informação
visual, estimulação visual, perceção visual, sequencialização visual, descodificação
visual com participação de outros centros do cérebro, figura-fundo, posicionamento
e relação espacial (Neto, Oliveira, Jardim, Martins, & Rocha, 2019).
O Envelhecimento Cerebral
O envelhecimento é um processo universal, natural e fisiológico que ocorre ao longo
da vida. Induz modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas o que
compromete a autonomia e a adaptação do organismo perante o meio externo, induzindo
ao indivíduo uma maior suscetibilidade e vulnerabilidade perante patologias (Macena,
Hermano, & Costa, 2018).
Com o envelhecimento verificam-se mudanças fisiológicas e funcionais, o que
prejudica as habilidades e ainda o funcionamento cognitivo do indivíduo (Sacramento &
Chariglione, 2019).
Cada vez mais se verifica um aumento da esperança média de vida e, assim sendo é importante garantir a qualidade de vida nesses anos "a mais", mesmo em caso de patologia e/ou incapacidade (Confortin, et al., 2017). Segundo Fjell et al., (2014) e Liu et al., (2017), a longevidade influencia o processo de envelhecimento cerebral, bem como o desempenho cognitivo dos diferentes indivíduos. A nível cerebral verificam-se alterações a nível neurofisiológico e da sua estrutura, o que compromete o desempenho cognitivo (Sacramento & Chariglione, 2019). Como já dito anteriormente, o envelhecimento acarreta consequências nos diferentes sistemas e a nível cerebral não é exceção. Segundo alguns autores, alterações a nível cognitivo leva a várias consequências, nomeadamente a nível social, na qualidade de vida e no bem-estar, o que afeta a capacidade funcional (Sacramento & Chariglione, 2019).
O envelhecimento cerebral está associado à deterioração tanto da massa branca como
cinzenta nos lobos frontal, temporal e parietal, o que afeta a função motora primária e o
córtex visual. As perturbações cognitivas acompanham estas alterações, como é o caso
de tarefas que envolvam a memória, coordenação, planeamento, entre outros (Macena,
Hermano, & Costa, 2018). Segundo Barata (2013), citado por Macena et al., (2018), com
o envelhecimento existem falhas na transmissão química, afetando assim o Sistema
Nervoso Central. Salienta ainda que a diminuição das coligações sinápticas é um fator de
maior impacto no envelhecimento cerebral do que propriamente a redução do número de
neurónios.
Segundo Fonseca et al., (2010), mesmo com todas as alterações associadas ao
envelhecimento cerebral, a conservação da plasticidade cerebral existe e os declínios
cognitivos parecem ser "acentuados e tratáveis durante o envelhecimento". No entanto há
outros fatores envolvidos que podem contribui para um agravamento (Macena, Hermano,
& Costa, 2018).
Demência dos Corpos Lewy
A demência é caracterizada por um declínio progressivo das
funções cognitivas e sociais, associado a alterações do comportamento e/ou da
personalidade. Afeta ainda a memória, a linguagem (afasia) e a capacidade de realizar
movimentos coordenados voluntários (apraxia). Como resultado, há uma diminuição da
qualidade de vida do indivíduo com esta patologia (Corpo & Liberali, 2015).
A demência de corpos de Lewy (CL) é encarada por vários autores como a segunda causa principal de demência degenerativa. Ocorre devido à presença de corpos de Lewy no encéfalo, nas regiões corticais e subcorticais (Corpo & Liberali, 2015). Esta patologia pode afetar, para além do córtex cerebral e do tronco cerebral, o Sistema Nervoso Autónomo (SNA) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP) (Rodrigues, 2015). Segundo Nascimento (2013), citado por Corpo et al. (2015), a demência de CL, é uma desordem neuropsiquiátrica, crónica e progressiva. É comum a apresentação de sintomas de parkinsonismo, alucinações e delírios. De uma forma neuropatológica, verificam-se inúmeros corpos de Lewy, neurites e ainda a diminuição e consequente perda de células neuronais do sistema nervoso central e autónomo.
Segundo a Associação Portuguesa de Familiares e Amigos dos Doentes de Alzheimer
(s.d), a Demência dos Corpos de Lewy ocorre devido à morte e degeneração das células
nervosas do cérebro. A demência é assim denominada pois deriva da existência de
"estruturas esféricas anormais" (Corpos de Lewy) que se desenvolvem no interior das
células nervosas. Esta patologia pode ainda ser denominada por Doença Difusa com
Corpos de Lewy.
De salientar que esta patologia apresenta uma prevalência de cerca de 5% na população
em geral e, com mais impacto, cerca de 30%, na população geral que possui demência
cognitiva (Rodrigues, 2015).
Causas
Segundo Caixeta et al (2008), citado por Corpo et al. (2015), as causas das demências degenerativas são as neuroproteínas uma vez que estas são responsáveis pela degeneração neuronal. Segundo Couto (2013), citado por Corpo et al. (2015), as proteínas: alfasinucleína, neurofilamentares e a ubiquitina constituem os corpúsculos/corpos de Lewy. Há autores que defendem que a proteína alfasinucleína pré-sináptica é a principal envolvida na formação dos corpos de Lewy. De salientar que os fatores genéticos e ou epigenéticos podem ser os possíveis responsáveis pelo surgimento dos CL nos neurónios. A função da alfasinucleína é a proteção das células cerebrais de danos, no entanto, o seu aumento exponencial leva à formação de corpos de Lewy (Corpo & Liberali, 2015). Esta neuroproteína encontra-se localizada no córtex e tronco cerebral (Rodrigues, 2015).
Principais Manifestações Clínicas e Diagnóstico
As principais manifestações clínicas, segundo Vermeiren et al., (2014), citado por Rodrigues (2015), desta patologia são: amnésia; alucinações visuais; depressão (é uma comorbilidade, como resultado da "consciência" da sua disfuncionalidade e devido à diminuição dos níveis de serotonina); e ainda segundo Sohn et al., (2014), citado por Rodrigues (2015), dificuldades visuoespaciais; problemas na marcha, tremores e rigidez, dificuldades na resolução de problemas, parkinsonismo e flutuação cognitiva.
O diagnóstico diferencial pode ser obtido através da neuroimagem, devido às mudanças que estão associadas à patologia, nomeadamente no envolvimento das vias corticais e subcorticais, com alguma preservação do volume do hipocampo (Rodrigues, 2015).
De salientar, que para Tavares et al., (2003), citado por (Huang & Halliday, 2013),
para um diagnóstico provável de Demência de Corpos Lewy é necessário a presença de
2 das 3 características principais indicadas na tabela abaixo. Para um diagnóstico possível
é necessário a presença de 1 das características:
Critérios de diagnóstico clínico de DCL possível ou provável (imagem retirada de Tavares et. al (2003).
Diferenciar a demência de Alzheimer da demência de Corpos de Lewy é uma tarefa difícil sendo que é principalmente através da identificação das manifestações neuropsiquiátricas que o diagnóstico se obtém (Corpo & Liberali, 2015). Como já referido é realmente difícil fazer o diagnóstico desta patologia uma vez que a sua sintomatologia é muito semelhante à doença de Parkinson ou à demência de Alzheimer assim sendo, o diagnóstico só se pode obter de uma forma definitiva, após uma autópsia cerebral (Rodrigues, 2015).
Intervenção/Tratamento
As principais características patológicas das múltiplas demências auxiliam no diagnóstico, para que assim, o tratamento administrado seja o mais indicado possível para os diferentes indivíduos. Segundo os autores, Custodio (2008); Emre, et al., (2010), é importante seguir as seguintes 4 etapas: diagnóstico preciso; identificação dos sintomas-alvo (no caso das DCL: parkinsonismo, alterações na autonomia, défices cognitivos e sintomas psiquiátricos, como alucinações, delírios, distúrbios do sono e do comportamento), definir as intervenções não farmacológicas e as intervenções farmacológicas (Corpo & Liberali, 2015).
- A nível farmacológico
Uma vez que nesta patologia se verifica um défice colinérgico cerebral, é aconselhável
a toma de fármacos que inibam a colinesterase, de forma a controlar os sintomas
cognitivos e comportamentais (Corpo & Liberali, 2015).
Segundo a literatura estes fármacos permitem ao indivíduo melhorias da sua capacidade de pensar com
clareza, na memória, na realização das atividades de vida diárias e ainda ao nível dos
sintomas comportamentais e psicológico (como já referido anteriormente). Estima-se
ainda que a toma destes fármacos, que são sempre prescritos pelo médico, podem retardar
a progressão dos sintomas cerca de 9 a 12 meses ou mais. Alguns exemplos são a
Rivastigmina, Donepezil e a Galantamina.
Segundo Teixeira et al.,(2005), citado por (Corpo & Liberali, 2015), é necessária uma especial atenção à toma de fármacos neurolépticos, mais concretamente de antipsicóticos simples, uma vez que estes utentes apresentam alguma sensibilidade aos referidos fármacos, podendo mesmo ser fatal a sua toma, dado que os sintomas parkinsonianos podem ser agravados e desencadear reações graves.
- Intervenção não farmacológica / Terapias
A psicomotricidade envolve toda a ação realizada pelo sujeito como elemento representativo de suas necessidades e cujo objetivo consiste em colocar o corpo e a motricidade no centro do comportamento e da evolução humana (Zirondi & Leite, 2018). A psicomotricidade encara o indivíduo de uma forma holística, tendo em atenção a vertente psicológica, cognitiva e motora nas diferentes idades. A psicomotricidade direcionada a idosos é denominada como Gerontopsicomotricidade. Indivíduos com DCL, como já referido anteriormente apresentam limitações a vários níveis. Assim sendo e na minha opinião, a intervenção psicomotora é fundamental uma vez que através de várias atividades são trabalhados vários objetivos, como é o caso de tonicidade, uma vez que esta se pode encontrar comprometida, dado que é comum alguma rigidez e até tremores. O técnico pode trabalhar ainda a equilibração, juntamente com a praxia global, uma vez que se verificam problemas ao nível da marcha e do equilíbrio. A psicomotricidade trabalha ainda a cognição e as emoções, o que assume um papel preponderante pois indivíduos com demência dos CL possuem lacunas ao nível da cognição, memória e ainda, de uma forma geral, uma baixa autoestima e até um quadro de depressão. Para além de trabalhar e promover os fatores psicomotores mais afetados, trabalha ainda a lateralização, noção do corpo, estruturação espácio-temporal (que nestes casos, também pode estar comprometido), bem como, a praxia fina. Tudo isto visando a autonomia e uma melhor qualidade de vida do sujeito e tendo sempre em conta as suas características e necessidades.
A fisioterapia tem também um papel importante na medida em que através das suas técnicas promove a manutenção da força, do tónus muscular e elasticidade muscular do indivíduo idoso. Promove ainda uma maior destreza e melhoria nas atividades de vida diária e qualidade de vida (Corpo & Liberali, 2015).
O Exercício Físico (EF) assume um papel preponderante em indivíduos com demência dos corpos de Lewy, uma vez que é benéfico tanto a nível físico como cognitivo. O EF contribui para a melhoria da função cerebral, nomeadamente a atenção e a memória. A prática de EF promove ainda a plasticidade cerebral, um aspeto fundamental nas demências (Afonso, Soares, Belo, & Nunes, 2018). É ainda essencial pois, para além de a sua prática ser de baixo custo, como é o caso de caminhadas, contribui para a redução do stress e ansiedade, aumenta a autoestima, promove o sentimento de bem-estar o que conduz a uma melhoria da qualidade de vida.
Em suma, os estudos defendem que a intervenção deve ter como foco tanto a componente física como cognitiva, uma que foram revelados melhores resultados (em comparação com uma intervenção única), em várias áreas, nomeadamente na memória, função executiva, atenção e cognição em geral, entre outros (Sacramento & Chariglione, 2019). Segundo alguns autores, indivíduos com demência dos Corpos de Lewy, beneficiam de intervenções em grupo uma vez que potencializa a socialização e incentiva à participação (Sacramento & Chariglione, 2019).
É importante referir que devemos ter sempre em conta a individualidade de cada
indivíduos e as limitações e capacidades, sendo que o objetivo maior de qualquer
intervenção é a promoção da autonomia e garantir a melhor qualidade de vida possível ao
indivíduo (Afonso, Soares, Belo, & Nunes, 2018).
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